Na reta final de seu segundo mandato, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva namora perigosamente com a irresponsabilidade fiscal. Os números não mentem. De janeiro a março, o governo federal aumentou as despesas, em termos nominais, em 19,3%. No mesmo período, as receitas administradas pela Receita Federal se expandiram numa velocidade menor, de 15,02%. O esforço fiscal para o pagamento dos juros da Dívida Pública (o superávit primário) foi, no primeiro trimestre, o menor da série histórica.
Em 2009, com a justificativa de que o país enfrentava a mais grave crise financeira mundial em 80 anos, o governo já havia ampliado os gastos de forma exagerada. No ano passado, o Superávit Primário do Setor Público consolidado foi o menor em 11 anos. Se, por um lado, a elevação das despesas ajudou o país a se recuperar mais rapidamente da crise internacional, por outro, a Dívida Pública líquida deu um salto como proporção do Produto Interno Bruto (PIB).
A deterioração das contas públicas tem levado o governo a lançar mão de artifícios questionáveis do ponto de vista da transparência fiscal. Ao elaborar o projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias para 2011, por exemplo, o governo retirou da meta de superávit primário os limites para a dedução dos Investimentos realizados no âmbito do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Com isso, deixou, pela primeira vez, indefinida a meta fiscal.
Outra artimanha introduzida na LDO foi a Opção por fixar metas nominais, em vez de um compromisso com a geração de superávits como proporção do Produto Interno Bruto. Isso significa que qualquer Crescimento econômico superior ao originalmente previsto na lei orçamentária autorizará o governo a elevar as despesas, uma vez que as receitas crescerão além da estimativa oficial. A criatividade fiscal não parou aí. Ao se comprometer, no texto da LDO, com uma meta primária consolidada de R$ 125,5 bilhões, o governo decidiu que, desse montante, poderão ser abatidos todos os Investimentos do PAC.
"Essa meta móvel só coroa um longo e diversificado processo em que foi minada a credibilidade dos indicadores fiscais tradicionais - além da dívida líquida, também o cálculo do superávit primário foi depreciado", disse, em entrevista ao Valor, o Economista licenciado do BNDES José Roberto Afonso, especialista em finanças públicas e um dos principais formuladores da Lei de Responsabilidade Fiscal, que completou ontem dez anos de vigência.
Nos últimos anos, o governo tem usado e abusado também de outra manobra contábil - o recurso à rubrica orçamentária "restos a pagar" - para transferir indefinidamente despesas de um ano para o outro. Em 2009, os "restos a pagar" somaram a inacreditável quantia de R$ 100,1 bilhões, o equivalente a 3,2% do PIB. Os recursos deixaram, portanto, de ser residuais para se transformar numa espécie de Orçamento paralelo. Em algum momento, a conta vai estourar no colo do governo.
Como tem incrementado os gastos acima do razoável, o governo também opera no lado das receitas para aparentar uma saúde fiscal que não tem. Dois exemplos chamam a atenção: no ano passado, o Tesouro converteu depósitos judiciais em fonte de recursos líquidos e certos; no fim de 2008, transformou o lucro cambial de R$ 185 bilhões do Banco Central, um resultado contábil, em superávit financeiro. A ousadia, na verdade, vai além da contabilidade porque esses recursos estão sendo usados como receita dos empréstimos bilionários do Tesouro ao Banco Nacional de Desenvolvimento econômico e Social (BNDES), para que ele amplie sua capacidade de empréstimos a juros subsidiados.
Na semana passada, o governo ampliou em R$ 36 bilhões a Capacidade de Financiamento do BNDES por meio da transferência de empréstimos antecipados à Eletrobras. Por Medida Provisória, já tinha garantido um aporte de R$ 80 bilhões do Tesouro para o banco, para estimular a compra de máquinas e equipamentos, um dos setores que, durante a crise, mais sofreram com a redução das encomendas e que, agora, é um dos que mais crescem na economia. Os estímulos já cumpriram seu papel e não estão sendo retirados no momento adequado. A conta dos subsídios dados via juros praticamente negativos chegará a R$ 10 bilhões .
Com a Economia crescendo agora de forma acelerada e, ao que tudo indica, com aceleração inflacionária, chegou o momento de o governo pisar no freio dos gastos públicos e reequilibrar suas contas. Com as receitas em forte expansão, esta seria a hora adequada para que se calibrassem as despesas de forma a atingir uma meta importante, a do Déficit nominal zero, que cobre a conta dos juros. Hoje, com a conta ainda pesada dos juros, esse Déficit gira em torno de 2% do PIB. É a única maneira de o endividamento público estancar, para depois regredir.
Condição sine qua non para a sustentabilidade do crescimento da Economia a longo prazo, o equilíbrio fiscal é uma conquista da Sociedade brasileira, que, hoje, conhece os benefícios de ter um Estado solvente, tanto do ponto de vista interno quanto externo. Colocar essa conquista em Risco é ameaçar a continuidade do bom momento vivido pelo país.
Fonte: Valor Econômico
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