Pergunte a qualquer criança ou adolescente o que ele quer ser quando crescer. As respostas vão incluir categorias profissionais como médicos, advogados, engenheiros e jornalistas. Dificilmente, alguém dirá que pretende ser contabilista. Contudo, essa profissão até então pouco glamurizada pode ser uma escolha promissora, sobretudo para quem tem facilidade com números e gosta da área administrativa.
Mas, atenção. Antes de exercer a profissão, os futuros contabilistas deverão passar por um teste de eficiência e só os aprovados poderão dar entrada no registro no Conselho Regional de Contabilidade (CRC-PE). "Essa exigência passará a valer a partir do próximo mês de novembro", informa a coordenadora do curso de ciências contábeis da Faculdade Boa Viagem (FBV), Alcione Donida.
Para ela, a medida pretende garantir ainda mais qualidade ao mercado de trabalho, no qual o bom desempenho com cálculos agora apenas não basta. "O contabilista também deve ter um perfil gerenciadore proativo. Cada vez mais, o profissional de contabilidade auxilia na tomada de decisões de uma empresa", destaca a coordenadora.
Por falar em decisão, os contadores têm um amplo leque de opções para escolher. Eles podem atuar em empresas governamentais ou instituições privadas, nos setores financeiro, de comércio ou indústria e trabalhar com contabilidade financeira, auditoria, perícia, contabilidade de custos ou controladoria. A carreira de professor também é uma saída para quem tem interesse pela vida acadêmica.
De acordo com a coordenadora do curso de ciências contábeis da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Ana Lúcia Fontes, a busca por um lugar ao sol ainda ganhou o reforço das organizações não-governamentais. "A área social é um campo maravilhoso. Hoje, há mais fiscalização do terceiro setor e uma necessidade de prestação de contas por parte das ONGs", informa.
Junto ao terceiro setor há ainda os grandes empreendimentos do Porto de Suape e diversas outras empresas com base ou em processo de instalação no complexo portuário.
Ensino - A julgar pela quantidade de cursos de ciências contábeis em Pernambuco, a profissão de contabilista está em alta. Diversas instituições de ensino superior oferecem o curso no estado. O mais tradicional é o da UFPE. Em 2009, a concorrência foi de seis alunos por vaga, superando os índices de 2007 (5,5) e 2008 (5,6). Na universidade, são 220 vagas por ano, divididas nos turnos da tarde e noite e em 1ª e 2ª entradas. Na Faculdades Unidas de Pernambuco (Faupe), são abertas 50 vagas por ano, enquanto que a Faculdade de Olinda (Focca) disponibiliza o dobro.
Ao longo do curso, os alunos têm contato com disciplinas como análise de demonstrações contábeis, computação aplicada à contabilidade, finanças e planejamento público, contabilidade societária, controladoria, custos, direito tributário, ética e normas da profissão contábil, matemática financeira, legislação social, Economia e gestão financeira.
A UFPE é onde estuda Rinaldo Holanda, 21 anos, aluno do 3º período. "O curso da Federal é muito bom, pois abrange todas as áreas profissionais que um contabilista pode atuar. Inclusive, já faço estágio na própria universidade.", diz.
O sentimento de realização com a escolha universitária é compartilhado por Patrícia França, 33 anos, aluna do 7º período da Faculdade Boa Viagem. Prestes a finalizar a graduação, ela possui também o curso técnico de contabilidade. "Passei em primeiro lugar na seleção de estágio do Ministério Público da União para o setor de perícia contábil, onde ajudo na análise de processos. Agora, o meu foco são os concursos", conta.
Qualificação deve ser constante
Trabalhar diariamente com números, fiscalizar a compra de produtos e gerenciar o desempenho econômico de uma empresa. Essa é a rotina da diretora de gestão da Jinx Playware, Verônica Vargas, 24 anos. Graduada em ciências contábeis pela UFPE, ela é um das 4.302 contabilistas de Pernambuco com registro no Conselho Regional de Contabilidade. O trabalho na produtora de jogos eletrônicos exige bastante no dia a dia. "Coordeno uma equipe e supervisiono a parte financeira, que envolve desde o setor de compras até o Balanço mensal. É um trabalho que requer atenção, mas que é prazeiroso", afirma.
Antes de ocupar o atual cargo, Verônica passou por outras experiências profissionais. A primeira delas foi na ACE., consultoria júnior da universidade. O estágio foi fundamental para a carreira. "Fiquei na empresa júnior por dois anos, onde pude aprender bastante", conta. Hoje, cursa um MBA em finanças. "Na especialização, tenho acesso a conteúdos sobre análise de riscos e estratégias, assuntos que não vi na graduação", revela.
A busca pela qualificação deve ser constante na vida de quem abraça a carreira de contabilista. Que o diga o contador Flávio Cesário, dono de um escritório de contabilidade. Com 15 anos de profissão e clientes fixos, ele não se acomodou e agregou uma especialização e um mestrado ao currículo. "De dois anos para cá muitas mudanças nas leis municipais, estaduais e federais vêm ocorrendo", aconselha.
Em seu dia a dia, Cesário comanda uma equipe de cinco profissionais, responsáveis por ações que vão desde a abertura e fechamento de empresas até o controle de folhas de pagamento. "Estar antenado às novas tecnologias é outra postura fundamental. A fiscalização eletrônica exige novos conhecimentos", cita.
Camila Holanda, 21 anos, 5º período da UFPE, diz que o aprendizado das novas regras se soma aos estudos para no ingressar no serviço público. "Meu objetivo é passar em um concurso e ser auditora", declara. Os planos são o de quem quer um futuro tranquilo. Na última seleção para auditor da Receita Federal, o salário inicial foi de R$ 13 mil.
Contudo, há quem renegue a carreira pública. É o caso de Ricardo Gonçalves, 28 anos, que preferiu a iniciativa privada. Natural de São Paulo, ele se candidatou a uma das vagas de trainee da Odebrecht. Passou, foi contratado e transferido para Pernambuco. Hoje, trabalha no Porto de Suape. "Não falta emprego. O curso é completo", opina.
Conhecimento das leis faz a diferença
Empenho é a palavra-chave de quem escolhe a área contábil como profissão. Na prática, essa dedicação ocorre na forma de muitas horas destinadas ao trabalho. "Diariamente, passo de 10 a 12 horas aqui no escritório", informa a contadora Maria José dos Santos.
A rotina, por vezes cansativa, é comum tanto para quem está em início de carreira quanto para aqueles que já estão consolidados no mercado. "Sou a dona da empresa, mas chego cedo. As tarefas exigem esse comprometimento", completa.
De acordo com Carlos Bianchi, sócio-gerente de um escritório de contabilidade, os meses iniciais do ano são os mais atarefados. "O primeiro semestre é bastante puxado, pois temos que dar conta de informações relativas a impostos de pessoas físicas e jurídicas e aos balanços das empresas. Além do mais, sempre trabalhamos com prazos", diz. É nesse período que também aparecem novos clientes, não raro cheios de questionamentos.
Segundo Maria José, o contabilista precisa ter um pouco de psicólogo também. "Devemos estar preparados paraouvir os clientes e tirar suas dúvidas. Muitos querem saber se enquadram-se em algum programa de benefício do governo, por exemplo", explica. A organização também é importante uma vez que as atividades envolvem planilhas, arquivos e inúmeros documentos. Entre eles, notas fiscais, escrituras, orçamentos e extratos bancários. "O trabalho requer atenção e formalidade nos contatos. Devemos deixar tudo registrado para evitar problemas", afirma Carlos Bianchi.
Um amplo leque para atuar
Graduado em ciências contábeis pela Universidade Católica de Pernambuco (Unicap), o presidente do Sindicato dos Contabilistas de Pernambuco (Sindicon-PE), Paulo Alves de Souza Filho, é um entusiasta da profissão. Sócio do sindicato desde 1967, ele iniciou sua carreira no Departamento de Estradas e Rodagem de Pernambuco (DER-PE), onde atuou por oito anos. Também trabalhou na área educacional, gerindo as divisões financeira e contábil da Unicap e da Associação do Colégio Nóbrega. Com sua experiência, ele fala sobre as oportunidades de emprego para os contabilistas.
Em que funções os contabilistas podem trabalhar?
Há muitas áreas à disposição dos contabilistas. Os profissionais podem escolher entre as áreas fiscal, trabalhista e previdênciária, além de decidir se querem atuar em órgãos públicos ou privados.
As chances de colocação no mercado de trabalho são grandes?
Justamente por haver muitas áreas à disposição, há sempre empregos. Existe um campo aberto, sobretudo para quem é dedicado e competente. O curso de ciências contábeis pode não deixar a pessoa rica, mas oferece oportunidades de emprego constantes.
Qual o nível dos cursos de ciências contábeis em Pernambuco?
O nível do ensino de contabilidade é satisfatório. Os professores são competentes, experientes e vivem a realidade do mercado de trabalho. Quem quer estudar ciências contábeis tem diversas opções de faculdades para escolher.
Que conselho o senhor daria aos estudantes da área?
Estudem sempre. O sindicato oferece cursos e palestras periodicamente e é importante participar desses eventos. Os estudantes devem aliar a teoria vista em sala de aula com estágios para ampliar seus conhecimentos.
E a remuneração?
O salário base de um auxiliar de contabilidade é de R$ 1.200. Um profissional de outras áreas ganha mais, porém isso varia em relação ao cargo que ocupa e ao porte da empresa em que trabalha. Há empregos que pagam de R$ 3,5 mil a R$ 5 mil. No sindicato, temos uma tabela com o salário-base de cada função.
Mercado está mais exigente
O auditor Marcelo Galvão Guerra teve seu primeiro contato com o mundo da contabilidade ainda na adolescência, no Rio de Janeiro. O envolvimento com a profissão começou aos 19 anos quando ingressou como trainee na área financeira das Lojas Americanas. Na época, ele cursava administração de empresas. Após concluir o curso, ingressou como portador de diploma para garantir a graduação em ciências contábeis.
Das Lojas Americanas, o então universitário seguiu rumo à KPMG Auditores, instituição presente em cerca de 150 países e com 140 mil profissionais espalhados pelo mundo. "É uma das quatro maiores do mundo", afirma. Passou dez anos na empresa, atendendo clientes de grande porte na área contábil. "Foi um ótimo período. Tive a oportunidade de viajar o Brasil todo", diz.
Após sair da KPMG, Marcelo Guerra partiu para a Auditoria independente, trabalho que realiza até hoje. Nesta função, acumula mais de 17 anos de experiência. O conhecimento adquirido ao longo do tempo é colocado a serviço de empresas das mais diversas áreas. "Entre os clientes, a Netuno Alimentos, Excelsior Seguros e Queiroz Galvão", informa.
Além da consultoria, o auditor também se dedicou à docência. Com pós-graduação em gestão empresarial, não demorou para que logo começasse a dar aulas em cursos de extensão e MBAs nas áreas contábil e de Auditoria em instituições como a Fundação Getúlio Vargas, Universidade Gama Filho e Ibmec. A carreira acadêmica se tornou outra paixão e hoje ele concilia a atividade de consultor com o cargo de diretor-executivo da City Business School. A escola de negócios, aliás, abriga uma grande parcela de estudantes de contábeis em busca de especialização.
Na opinião de Marcelo, os contabilistas de hoje encontram um mercado amplo, porém bastante exigente. "Empresas não faltam, mas elas estão mais seletivas. Sempre digo aos recém-formados que é preciso estudar as novas práticas contábeis internacionais. O conhecimento desse novo marco regulatório é fundamental para o sucesso na profissão", aconselha.
Fonte: Diário de Pernambuco